ACIJ / Prensa

Pobreza fora do mapa

En O Globo 28.06. 2015
JANAÍNA FIGUEIREDO
Correspondente janaina.figueiredo@oglobo.com.br Enquanto governo argentino manipula estatísticas, ONGs tentam dar visibilidade a favelas Ao contrário do Rio, na capital argentina as favelas estão escondidas e não aparecem sequer nos mapas da cidade. Algumas se tornaram mais visíveis (leia-se: cresceram de forma expressiva) nos últimos anos, como a Villa (assim são chamadas as favelas portenhas) número 31, localizada no bairro de Retiro, a poucos metros da Recoleta, uma das regiões mais sofisticadas da cidade. Há três anos, um grupo de ONGs decidiu dar visibilidade às 18 favelas que existem atualmente em Buenos Aires, onde vivem, de acordo com dados extraoficiais, cerca de 300 mil pessoas (de um total de 3 milhões de habitantes da capital). Há cinco anos, o número de habitantes era de 168 mil, segundo o último censo nacional. O objetivo das ONGs é “representar esses territórios nos mapas da cidade”, de forma a facilitar o acesso, por exemplo, de ambulâncias.
O trabalho está sendo feito por uma equipe formada pelas ONGs Associação Civil pela Igualdade e a Justiça (ACIJ), Avina e Wingu. Já foram mapeadas cinco favelas e o objetivo do grupo é completar as 18 existentes na capital até agosto deste ano. No futuro, a mesma equipe poderia mapear as favelas da Grande Buenos Aires, que a cada ano se espalham pela principal província do país. — Queremos dar visibilidade às favelas, que, até agora, apareciam como espaços cinzas nos mapas. É importante representar esses territórios em todas as plantas de Buenos Aires — disse ao GLOBO o coordenador da área de Direito à Cidade da ACIJ, Pablo Vitale. Para ele, “o trabalho que estamos fazendo também é importante para facilitar o acesso de serviços públicos”. — Os moradores estão muito satisfeitos, porque agora podem indicar melhor onde moram e receber, por exemplo, uma ambulância ou a instalação de algum serviço — explicou o coordenador da equipe. ESTATÍSTICA OFICIAL DESACREDITADA Os mapas podem ser consultados no site www. caminosdelavilla. org, uma plataforma que também serve para que os moradores das favelas possam expressar suas demandas. — Também monitoramos as obras nas villas, que, em muitos casos, não são terminadas em tempo e apresentam muitas falhas — lamentou Vitale. Entre 2001 e 2010, o número de habitantes das favelas portenhas duplicou. Já nos últimos cinco anos, o crescimento foi de cerca de 50%, de acordo com as ONGs. Para Vitale, o crescimento das favelas não significa, necessariamente, aumento da pobreza, embora, no caso da Argentina, tenha sido assim. — Em muitos casos, os moradores das favelas são imigrantes que chegaram há pouco tempo ao país. Também temos argentinos empobrecidos, mas, em muitas favelas, a maioria são imigrantes de países vizinhos — comentou o coordenador do grupo. As favelas portenhas, cada vez menos invisíveis, contradizem dados de pobreza que a própria presidente do país, Cristina Kirchner, faz questão de apresentar à organismos internacionais. Em recente discurso na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma, Cristina disse que a taxa de pobreza da Argentina não chega a 5%, abaixo até mesmo de países como Alemanha.
— Nos transformamos num dos países mais igualitários (do mundo) — declarou a chefe de Estado, provocando uma enxurrada de críticas por parte da oposição e de economistas locais. Em plena campanha eleitoral e com o kirchnerista Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires, como um dos grandes favoritos, a Casa Rosada tenta mostrar um país que, na opinião de analistas e dirigentes opositores, “não existe”. — São declarações ridículas, porque todos sabemos que a pobreza está acima de 20%, de acordo com medições sérias, como as da Universidade Católica (UCA) — disse o economista Nicolás Dujovne. Segundo a UCA, em 2010 cerca de 22,9% dos argentinos viviam abaixo da linha da pobreza. Em 2013, o indicador da universidade, considerado o mais confiável até mesmo pela Igreja, subiu para 25,6%. — Temos uma pobreza similar a de meados da década de 90 — enfatizou Dujovne. O presidente da Confederação Episcopal Argentina, monsenhor José María Arancedo, assegurou que “a pobreza existe e é de dois dígitos”. — Precisamos de estatísticas (oficiais) e deve ser um trabalho feito com muito respeito, porque são para todos e servem para planificar o país — assegurou monsenhor Arancedo. Mas os dados privados são negados, mais do que nunca, pelo kirchnerismo, em plena campanha para tentar permanecer no poder. — Analisei (os dados da UCA) muitas vezes e não se assemelham nem de perto à realidade — disse o chefe de Gabinete de Cristina, Aníbal Fernández, candidato a governador da província de Buenos Aires. As ONGs que estão em campo, vivenciando o dia a dia das favelas portenhas, observam uma situação muito difícil, segundo Vitale: — O crescimento das favelas é algo preocupante, principalmente porque a qualidade de vida de seus moradores não é boa. Alguns podem não estar abaixo da linha da pobreza, mas vivem em condições muito ruins.